O
bem supremo aristotélico como finalidade do Estado frente ao cidadão
Na metade do século IV a. C., os
primeiros vestígios de declínio da aclamada democracia ateniense[1], o
sofismo predominante e a expansão alexandrina alcançando bárbaros, exigiram do
filósofo Aristóteles (384-322 a.C.) a tarefa de pensar a questão grego-política
por meio do viés analítico – tão caro ao seu projeto de investigação
filosófica. A pergunta a ser respondida era: “Qual o melhor sistema de
governo?”.
Ainda
que o Estagirita mantivesse a busca pelo bem supremo como fim maior da
organização social, seu raciocínio tomou rumo oposto ao dos pré-Socráticos e ao
de Platão – esse, sim, um genuíno cidadão grego –, ao elaborar um conceito de
justiça que extrapolou a tradição helênica e o ideário constituído na República.
Para os contemporâneos e sucessores de Tales de Mileto, os deuses; para Platão,
começar do zero expulsando poetas e coletivizando mulheres e crianças; para
Aristóteles, é preciso fazer “ciência” e enxergar a política de forma mais
completa.
Segundo
o filósofo, o exame da matéria política deve deixar o plano da generalização,
da ideia de que os seres humanos (cidadãos) são todos iguais, e tem de passar
pelo princípio de análise em virtude de sua natureza diversa tal qual os demais
objetos do conhecimento.
“Acostumamo-nos
a analisar outras coisas compostas até que não possam mais ser subdivididas;
façamos o mesmo com o Estado e com as partes que o compõe; e entenderemos
melhor as diferenças entre um e outras, e se podemos deduzir algum princípio de
funcionamento das diversas partes”. (Política, I, 1, 3)
Esse
princípio de funcionamento é o que define o arquiteto enquanto construtor de
casas, o marceneiro enquanto fabricante de cadeiras, o médico enquanto
especialista em saúde. Todo cidadão, de acordo com Aristóteles, antes do
caráter político, tem sua predisposição natural a determinadas habilidades[2].
Conciliar essas características (diferenças) com a inclinação para o convívio
social, mantendo o equilíbrio e a harmonia necessárias, é o norte que a
política deve seguir. A garantia do bem comum ao cidadão é a garantia do bem
comum ao Estado, ou seja, a virtude.
Reta
Justa
Aristóteles
entende que só é bom (justo) aquilo que faz bem a todos. Por isso, os extremos
devem ser evitados e a medida certa (meio-termo) empreendida. Aqui notamos
aquilo que Reale[3]
vai classificar como uma crítica ao comunismo platônico, uma vez que o
Estagirita sinaliza que um governo do povo privilegiaria somente uma camada
social. Sendo assim, na Política, três são as formas de governo ideais:
a monarquia, a aristocracia e a politeia.
“Antes
de mais nada, é preciso dizer que as três formas de governo, quando exercidas
com retidão, são naturais e portanto boas, porque o bem do Estado consiste em
visar o bem comum”.
(Introdução
à Aristóteles, cap. VI, pág. 133).
E
três, são as formas ilegítimas: a tirania, a oligarquia e a democracia (vista
como privilégio de apenas uma classe). Porque essas últimas estão fora de
ordem, são desmedidas. Profundo conhecedor de outras cidades e regiões,
Aristóteles entendia que apenas em Atenas seria possível a realização da pólis
ideal devido ao caráter e à cultura do cidadão grego que automaticamente o
eximia de viver sob a tutela de um governo ilegítimo.
Por
outro lado, ao decompor o Estado até a família e, depois, até o indivíduo,
Aristóteles mostra, conforme aponta Russell, que mesmo no nível mais primitivo
de organização existe uma noção de ordem. “Ordem é, antes de tudo, ordem
social”[4].
Olhar
teleológico
Portanto,
é imprescindível compreender que Aristóteles visa fazer conhecimento a partir
da ideia de que tudo é composto dentro de uma lógica e constituído de uma
determinada finalidade, ou objetivo. Foi assim com a ética, biologia,
metafísica e outros temas. Ou seja, a política também guarda as características
intrínsecas à sua natureza e tais elementos se compõe buscando um fim ético.
No
caso dos cidadãos, enquanto seres que naturalmente tendem ao convívio social[5] e não à
exclusão e retidão extrema, esse fim não poderia ser algo que causasse
prejuízo, dor e sofrimento, ou tampouco a extinção dos próprios
indivíduos.
Isso
significa que a boa sociedade caminha em direção ao seu único objetivo: a
felicidade. O Estado ideal, portanto, seria o Estado feliz. Enquanto garantia
de manter guardadas as devidas proporções.
Bibliografia
Coleção Os Pensadores. Aristóteles,
Nova Cultural, São Paulo. 1999. Política, I, 1; II, 4. Metafísica,
I, 1. Ética a Nicômaco, I e II.
JAEGER, W. (1936) Paideia: a formação do homem
grego. Tradução de Artur M. Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
JAPIASSÚ, H; MARCONDES, D. Dicionário básico de filosofia. 3ª edição rev. e
ampliada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.
RAVEN, J. E.; KIRK, G. S.;
SCHOFIELD, M. Os Filósofos Pré-Socráticos. Tradução de Carlos Alberto
Louro Fonseca. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 8ª ed., 2013.
REALE, GIOVANNI. Introdução à
Aristóteles. Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.
RUSSELL, B. História do Pensamento Ocidental.
Tradução de Laura Alves e Aurélio Rebello. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.
[1] Cf. o historiador alemão Werner Jaeger tão
bem ilustra no Livro Quarto da sua obra Paideia, a formação do homem grego.
[2] Aqui encontra-se uma das discussões polêmicas
em relação à filosofia aristotélica em razão do conceito de cidadão que exclui a figura da mulher na sociedade e
que contempla a existência de escravos, bem como de pessoas incapazes de se
civilizar (bárbaros e estrangeiros).
[3] Reale, Giovanni, Introdução à Aristóteles,
pág 130,136.
[4] Russel, Bertrand, História do Pensamento
Ocidental, pág. 18. 3ª ed.
[5] ζῷον πoλίτικoν (Zóon Politikon): conceito de animal
político, ser social, exposto no livro Política. Assim como o homem
tende (finalidade) à sociedade, tende ao saber, como exposto na Metafísica,
e por isso à virtude.
* Texto apresentado na disciplina Ética e Cidadania II, no 2° semestre, da turma de Filosofia 2014, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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