Por que o mercado norte-americano de café pode estar longe de
saturar
Starbucks, em Washington (Elvert Barnes/Wikimedia)
Autor: Jeremy Olshan
Frio ou quente, coador, francês, espresso, Chemex ou de máquinas, cada norte-americano sorve em média 87,4 litros do “zezinho” por ano. Está no sangue deles. Também está nas ruas, onde um sem-número de postos da Starbucks ocupam de escolas a hospitais. Resumindo: 161.000 pessoas estão conectadas à página de práticas do “Café” no Linkedin.
Frio ou quente, coador, francês, espresso, Chemex ou de máquinas, cada norte-americano sorve em média 87,4 litros do “zezinho” por ano. Está no sangue deles. Também está nas ruas, onde um sem-número de postos da Starbucks ocupam de escolas a hospitais. Resumindo: 161.000 pessoas estão conectadas à página de práticas do “Café” no Linkedin.
Mas a verdade é que o copo de café nos EUA está meio cheio. Eles
poderiam estar bebendo muito mais café e, de fato, já tiveram esse
costume no passado. Em 1946, no apogeu da sede americana, bebia-se em
média 182,4 litros, de acordo com o Departamento de Agricultura dos
Estados Unidos (USDA) – mais do que o dobro do consumo normal. “Nós
bebíamos café ao acordar, no almoço, de tarde e no jantar”,
disse John Sicher, Editor da Beverage Digest. “E mais, quando
chegávamos em casa, bebíamos café”.
Toda a paixão americana pela bebida no século passado estava no
simples desejo de beber um café honesto como nos tempos antigos. Ou
seja, o café do pós-guerra era enlatado, pré-envelhecido, torrado,
com grãos pré-selecionados, e feito para ser esquecido na cafeteira
ou servido apenas diluído como “chafé” tal como define a
cantora folk Ani DiFranco.
Há 60 anos havia apenas uma forma de se tomar café, hoje, a
Starbucks diz que pode sugerir ao consumidor que vai até uma de suas
lojas mais de 87.000 possibilidades de combinações com a bebida.
“Todo esse café consumido é quase a mesma coisa”, disse o
historiador da bebida, Mark Pendergrast, autor de “Uncommom
Grounds”. Mas a tendência desse cenário é só aumentar. “Nas
próximas duas décadas o consumo de café saltará deste estado
mediano para um nível particularmente expressivo”, escreveu
Pendergrast.
Além de historicamente curioso, o vácuo de “cafeinização” de
1940 até o momento é muito significante. Com o consumo de café em
alta crescente, os números sugerem que, apesar das aparências, o
mercado está longe de saturar, e que Starbucks, Green Mountain
Coffee Roasters, Dunkin' Donuts e cafeterias independentes, têm
muito chão a conquistar.
“Não sei se conseguiremos atingir os níveis de 1940 e 1950, mas
não resta dúvida de que podemos incrementar substancialmente o
consumo na América do Norte”, disse Maurício Galindo, gerente de
operações da International Coffee Organization. “Não há razão
para ficarmos tão distantes dos níveis de consumo na Europa”. Os
norte-americanos são tímidos se comparados aos finlandeses, por
exemplo, que enchem a cara de café bebendo em média 235 litros por
ano.
No entanto, mesmo que uma pessoa bebesse apenas líquido durante o
dia todo, o sucesso maior da bebida não poderia acontecer sem
prejuízos à saúde devido aos limites fisiológicos da bexiga e do
estômago. A sede é um jogo de perde-ganha. Os números também
demonstram o quanto os paladares mudam rápido e drasticamente.
Durante a Lei Seca, o café se tornou a estrela e depois, nos anos
1960, decaiu quando as bebidas leves assumiram o comando. É natural
que outros produtos alcançassem o domínio seguro do café e da Coca
em décadas passadas. Na era a cabo, os programas de TV também
tiveram que lidar com o mesmo contratempo na última temporada de
MASH: variedade. “Não se trata mais da escolha de apenas uma
bebida, muito menos de se escolher somente bebidas com alto conteúdo
de cafeína”, disse Agata Kaczanowska, analista da IBISWorld para a
indústria de café, que estima, contudo, negócios de 11 bilhões de
dólares e um crescimento anual de 3,1% nos próximos cinco anos.
Os norte-americanos são apaixonados por café. Mas, ainda que os
investidores e executivos do setor tenham boas razões para se sentir
otimistas em relação ao sucesso da bebida, a história também
demonstra o quanto os paladares oscilam. Em 1956, por exemplo, a
indústria do café era muito confiante, e negava qualquer ameaça
por parte da Coca-Cola, contou Pendergrast. “O café já estava
aqui, nesta terra, bem antes de qualquer cola”, vangloria-se Arthur
Ransohoff, presidente da National Coffee Association.
Entretanto, as bebidas leves não perderam tempo e direcionaram seus
mercados para a geração (não necessariamente juvenil) Baby Bommer
com produtos vinculados à juventude, energia e vitalidade. Quando a
Coca contratou o cantor pop Eddie Fisher como garoto propaganda em
1956, a marqueteira Judy Gregg sugeriu à indústria do café que
seguisse o mesmo caminho. “Os produtores de café que decidiram
usar a mesma técnica de contratar os serviços de personalidades
como um Elvis Presley desfrutaram de um sucesso estrondoso”, disse
Judy. “Imagine Elvis sorvendo apenas uma xícara na TV?”. A
indústria do café não mordeu a isca, disse Pendergrast, e enquanto
o consumo de soda quadruplicou nas décadas seguintes, o de café
despencou.
Na tentativa de explicar o declínio ininterrupto do café nos anos
1970, um relatório do USDA, em 1977, concluiu que o problema poderia
ser resultado da combinação de dois fatores: primeiro, mudanças no
estilo de vida que “encorajavam a comida congelada e rápida e as
novas bebidas em oposição às refeições completas, cheias de
cereais e café.” Segundo John Sicher, hoje em dia é muito mais
agradável ter uma garrafa de água durante a refeição do que
oferecer um café ao final do jantar. A segunda razão citada pela
pesquisa foi o paladar: para abaixar os custos, os produtores de café
começaram a substituir a variedade de suas lavouras pelo café
Robusta, que é muito mais barato e bem mais amargo do que o saboroso
Arábica.
Além disso, não houve mobilização quando as bebidas leves se
engajaram (acreditem ou não) em uma cruzada a favor de hábitos
saudáveis, e o café foi constantemente retratado como um veneno.
Estudos relacionaram o café com doenças do coração, retardamento
e o baixo peso de recém-nascidos. Recentemente, houve uma inversão
total. Bebidas com soda são citadas como a causa das epidemias de
diabetes e obesidade nos EUA, além disso pesquisas recentes fizeram
o café parecer fichinha ao associá-lo com a redução de doenças
cardíacas, do câncer, Alzheimer e Parkinson. Para dar um impulso
adicional ao café, um relatório federal recente ligou as bebidas
energéticas ao aumento de pacientes nos postos de emergência.
O consumo de café cresce de forma significativa entre seus
consumidores habituais, desde aqueles que gostam de vinhos finos
reservados (que admiram como a bebida é sentida na língua e como as
várias notas de sabor sobressaem na boca) até aqueles que bebem
compulsivamente, automáticos, como se tomassem água na torneira.
Mas se é verdade que os norte-americanos passam por outro boom,
existe mais espaço para essa expansão? De acordo com especialistas,
o campo de batalha está limitado nas esquinas das cidades, tanto
para os cafés, restaurantes, escritórios, ou qualquer outra
iniciativa que não seja um copo quente ao alcance das mãos do
consumidor a qualquer hora. Equipamentos automáticos, como a máquina
da Green Mountain Coffee's Keurig, estão em alta nos últimos anos,
e suas vendas crescem até duas vezes mais do que a avaliação da
indústria global, segundo a IBISWorld.
“Atualmente, dos 118 milhões de lares norte-americanos, cerca de
12 milhões têm uma máquina Keurig”, disse David Sachs,
vice-presidente de inovação e gestão de marca da Green Mountain.
“Isso significa uma oportunidade para comercializar 35 milhões de
máquinas residenciais de café até 2016, ou seja, aproximadamente
três vezes mais do que o mercado atual”.
A Green Mountain também vê um grande potencial no momento para as
máquinas de café gelado. “No Starbucks e Dunkin' Donuts, o café
gelado é muito popular, embora a bebida ainda não tenha entrado nas
casas. Contudo, isso está mudando. Muitas pessoas já querem tirar
em casa, com a quantia exata de gelo e café, um bom e consistente
copo da bebida”, disse Sachs. “O que aumentaria o número de
ocasiões durante o dia para se beber café”. Segundo ele, ao
perceber que esse cenário poderia trazer à tona os benefícios da
bebida à saúde, a companhia mirou o potencial dos sachês de blends
(especiais) para infusão com antioxidantes. “Tendências em
bebidas vão e vêm, são cíclicas”, disse Sachs. “Mas, pelo
menos atualmente, o café parece estar em alta”.
E está. O lado chique da imagem do café também cresce sem parar
com mais americanos cuidando de comprar cafés premium, raros,
selecionados, muitas vezes com eles próprios realizando a torra e
tirando lentamente seus copos com muito mais complexidade e cuidado
do que poderia ser possível extrair das máquinas residenciais,
informa Galindo. “Existe até uma tendência de harmonizar cafés
com certas sobremesas”, disse ele. Cafeterias independentes como o
Brooklyn's Café Grumpy comercializam cada vez mais grãos de alta
qualidade, segundo uma de suas proprietárias, Caroline Bell. “O
público está bastante interessado em preparar um bom café em casa”.
Com algo em torno de 13.000 unidades, a Starbucks também vê grande
potencial de expansão nas residências, escritórios e locais com
pouca tradição em oferecer bons cafés, disse a porta-voz Alisa
Martinez. O plano da rede é abrir mais locais associados dentro de
hotéis e escolas, além de servir a bebida a 30.000 pés na Alaskan
Airlines – e, embora o café ainda não esteja disponível na forma
intravenosa, os pacientes de hospitais em todo os EUA já podem beber
um Starbucks na cama.
“Nós temos Starbucks em unidades de saúde em todo o país –
incluindo o Fred Hutchinson Cancer Research Center, em Seattle – e
já planejamos novos negócios”, disse Martinez. “Unidades de
saúde, equipe, pacientes e seus familiares, têm nos questionado a
respeito das novas lojas. O que nós queremos é tornar fácil para
qualquer pessoa ter um Starbucks a qualquer momento, não importa
onde essa pessoa esteja”.
Fonte: Wall Street Journal
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