segunda-feira, fevereiro 25, 2013

Códigos sociais: compartilhando dados genéticos na web


Autor: Daniela Hernandez

Os genes migraram para os mobiles. Em setembro, a empresa de produtos genômicos 23andMe anunciou a abertura de uma API ainda inédita que permite a interação de aplicativos com as informações de diversos bancos de dados. Desde então, desenvolvedores já enviaram mais de 200 novas apps sobre o tema para a equipe do Google. 

A 23andMe mantém em segredo o nome desses desenvolvedores, mas adianta que todos eles estão trabalhando em sistemas que integram arquivos digitais com dados de saúde e informações genéticas. Além de dar suporte para novos estudos nos grandes centros de pesquisa, a plataforma servirá de base para a construção de aplicativos na área de saúde focados em dieta, nutrição e sono. 

Outro interesse dos desenvolvedores é a criação de sites que hospedem informações genéticas e que disponibilizem mecanismos para a realização de combinações genômicas de acordo com o perfil do usuário, a exemplo dos sites FitBit e Zeo.

De olho nesse mercado, a 23andMe lançou, em junho, uma app gratuita e que permite ao usuário participar de pesquisas, acessar dados genéticos e enviar resultados pessoais por email aos seus contatos. É um aplicativo que funciona como “um sistema de operação do genoma, uma ferramenta que controla a maneira como seu genoma será utilizado online”, disse Mike Polcari, diretor da empresa.

Tais aplicativos se conectam diretamente com o sistema da 23andMe, especialmente aqueles no campo da saúde e que antecipam, via mobile, questões de ordem genética. Através dessas apps, o usuário pode acessar, compartilhar e discutir, suas informações genéticas ou mesmo suas características fenotípicas – como sente, vê, percebe ou define gostos, sabores ou paisagens, por exemplo – em qualquer lugar, a qualquer hora, e em alguns casos, sem estar conectado a um computador.

Por enquanto, tudo isso não passa de uma forma de compartilhar informações diretamente das apps, mas a empresa afirma que “já trabalha na incorporação de diversas outras características sociais nas próximas atualizações”.

Atualmente, qualquer pessoa pode compartilhar seus dados genéticos diretamente com outras interfaces como o banco de dados público de genoma, o openSNP, desde que solicitado a 23andMe o livre acesso ao programa, ou através de aplicativos móveis como o DIYGenomics. No entanto, os dois processos podem ser entediantes: ambos exigem do usuário o upload manual das informações.

Mesmo assim a 23andMe acredita que resultados genômicos são ótimos produtos comerciais. O anúncio da abertura da API, em conjunto com a recente aquisição da CureTogether, uma rede social de apoio onde os usuários podem ranquear mais de 500 situações de tratamento, colocou a empresa em posição de destaque no que diz respeito à monetização e lançamento de tendências nas comunidades online relacionadas ao tema DNA.

No próprio site da 23andMe, é possível  encontrar diversas comunidades com centenas de membros e com discussões avançadas sobre uma variedade de tópicos de saúde.

Usuária do 23andMe, Cynthia Manley diz que concorda com a visão da empresa, embora não admita a questão das características sociais. “Eu não tenho certeza se é legal encher meus contatos com essas informações”, disse Manley, que é estrategista de mídias sociais na Vanderbilt University Medical Center, em Nashville. Manley, que é usuária do aplicativo há cerca de um mês, diz que utiliza o serviço com  regularidade diretamente no seu celular.

O vício no envio de notificações ao 23andMe, porém, já é visto como algo que pode acelerar uma significativa mudança de comportamento. “Para certos usuários, isso poderá ser um elemento de exibicionismo, exatamente como acontece hoje em dia”, disse a antropóloga Brenda Bradley, da Universidade de Yale.

A 23andMe, que se autoproclama no seu blog a primeira rede social de genética, tem algo em torno de 150.000 usuários. Embora não confirme quantos novos membros se cadastram todos os meses, a empresa afirma ter registrado um crescimento anual de 100% nos últimos anos.

Alguns usuários, como o bioquímico, fundador e colaborador da Wired, Aaron Rowe, acredita que “as pessoas não vão passar muito tempo nessas plataformas”. Mas, ao passo que as novas tecnologias se tornarem mais baratas e as APIs se abrirem totalmente, os atrativos aumentarão, assim como o número de usuários que irão gastar mais tempo em espaços como o 23andMe. 

Pensando nisso, a empresa iniciou a aquisição de laboratórios de entretenimento, como o DNA Melody, que transforma o seu DNA em música, e o Neanderthal Ancestry, que calcula através do DNA de um neandertal qual a personalidade que ele teria, de acordo com o website, além da marcação dele no Foursquare. 

Segundo Misha Angrist, geneticista do Institute for Genome Science and Policy at Duke University, se a cultura jovem abraçar o conhecimento do genoma humano através das redes sociais voltadas para esse assunto, “isso será muito bom. Você poderá ter um botão sobre seu status de relacionamento ou um mapa que indica tudo o que você é geneticamente.” Dados que, na opinião de Angrist, também usuária do 23andMe, serão compartilhados normalmente.

Conforme o compartilhamento de informações genéticas avança, novos questionamentos a respeito das informações pessoais que serão acessadas estão surgindo. Cynthia Manley, por exemplo, se mostra preocupada com o fato de que, ao compartilhar seus genes agora, os cientistas podem descobrir no futuro uma eventual mutação genética que ela pode não querer revelar. 

A estrategista não está sozinha nessa opinião. “Meu maior receio é com a proteção da nossa privacidade no futuro. Talvez agora mesmo, você esteja ansioso para compartilhar suas informações genéticas, mas talvez daqui a 30 anos você pode não querer que aquilo tudo esteja lá”, disse Bradley, a antropóloga de Yale. 

Polcari não sabe dizer como alguns usuários do 23andMe vão lidar com o fato de seus dados genéticos estarem visíveis e sobre total responsabilidade dos desenvolvedores, mas ele espera não ter problemas, e que tudo se resuma em uma app de celular. "Nós estamos apenas começamos" disse ele. 

Aliás, desde que começou a crescer, a 23andMe encara os mesmos desafios que o Twitter e o Facebook tiveram que enfrentar: como monetizar as informações, permitir o acesso dos desenvolvedores a esses dados e proteger a privacidade dos usuários? E mais: como encorajá-los a compartilhar cada vez mais?

No que diz respeito aos desenvolvedores, a empresa possui um contrato de trabalho contendo uma cláusula de garantia que estabelece "o máximo cumprimento na aplicação das leis, bem como a concordância (dos desenvolvedores) quanto a inocência e idoneidade da 23andMe... que é isenta de qualquer responsabilidade atribuída ao mau uso das APIs."

Quanto aos usuários, "o ônus do compartilhamento", diz Polcari, "é definitivamente individual".

Fonte: Wired.com

Nenhum comentário: