Em "Giordano Bruno", diretor italiano mostra os últimos passos do
filósofo renascentista
Religião,
política, sexo e ciência. Esses são os principais ingredientes que
compõem a elegante e fluvial Veneza, na Itália, na transição do
século XVI para o XVII, quando as chamas das fogueiras da Inquisição
começavam a se apagar. Epicentro cultural, artístico, comercial,
naval e político-religioso, a cidade foi literalmente o destino –
final – do frade, filósofo, escritor e astrônomo, Giordano Bruno,
cuja vida foi retratada de maneira preciosa na produção de Giuliano
Montaldo, de 1973.
Dono
de uma sabedoria única, Giordano Bruno construiu uma história que
por si só tornou-se sinônimo de spoiler1
uma vez que o seu trágico desfecho (na fogueira em Roma) é de
conhecimento geral. No entanto, são os motivos que o levaram à
condenação que servem de costura para a trama engenhosa montada
pelo diretor italiano.
O
filósofo foi bastante polêmico. Considerava que o mundo era um
organismo vivo, harmônico, infinito e constituído de outros mundos
completamente desconhecidos do ser humano. Criticou o geocentrismo
aristotélico e defendeu o heliocentrismo demonstrando com fatos
matemáticos que a Terra e os demais astros do sistema solar giravam
em torno do Sol. Acreditava na metempsicose, ou seja na transmigração
das almas, numa clara influência do pitagorismo. Entendia que todo
filósofo é dono do próprio destino e que todas as pessoas têm a
capacidade e o direito de filosofar. “Não existe diferença entre
o Papa e um artesão, todos os homens são iguais”, escreveu Bruno.
Após
percorrer as principais nações européias, o filósofo foi à
Veneza e se hospedou na casa de um nobre local interessado em
conhecimentos de magia. Nessa época, Giordano Bruno já era muito
respeitado como cientista, porém visto como mago. Há também quem
enxergasse nele a verdadeira encarnação do diabo, apesar de que –
sem levar em consideração o nobre que o acolheu e os condenados
pela Inquisição – ninguém ousou denunciá-lo.
Ainda
em Veneza, Bruno foi julgado e obrigado a abjurar de suas ideias e
filosofia, o que não passou de uma estratégia para continuar livre
e pensante. Embora revolucionária, sua nova visão do cosmo e do
Homem fez com que obtivesse o apoio de membros do clero que
sinalizaram favorável a sua liberdade desde que as ofensas à Igreja
fossem retiradas de suas obras. Bruno recuou, não abriu mão de seus
princípios e acabou enviado à Roma – que se adiantava de todas as
maneiras para tentar queimá-lo.
Ateísmo,
blasfêmia, conspiração, heresia, traição, foram algumas das
justificativas utilizadas para enviá-lo à fogueira. Isso sem falar
na atuação política do filósofo que o diretor Montaldo expôs de
forma brilhante. Durante o diálogo com os religiosos que o
condenavam, Bruno refutou a crítica de um clérigo aos sistemas
políticos de Estados como a França, Inglaterra e Alemanha, alegando
que fora justamente os cristãos que ensinaram aos “novos”
políticos como administrar as finanças e controlar o povo a partir
da religião. “Por isso, esses Estados se dizem laicos e permitem
todas as religiões”.
Antes
de ser levado ao espetáculo de Campo de Fiori, Giordano Bruno ainda
lançou dúvidas em relação à Santíssima Trindade agostiniana, na
qual alegava ser incompreensível, denunciou as mazelas sanguinárias
da Igreja associando tais atitudes com superstição, ignorância e
violência, e não deixou de fixar suas concepções sobre a matéria,
a forma, o universo e o todo.
O
filme também aborda um aspecto importante na personalidade de Bruno,
que é o seu caráter orgulhoso. O diretor deixa bem claro em
diversas passagens que o filósofo poderia ter sido mais brando em
comportamento, mas o espírito de liberdade o impedia de resignar-se.
Sendo assim, não restou-lhe outro caminho se não o do “microondas”
no fatídico 8 de fevereiro de 1600 e a conseqüente proibição de
seus livros – o que não impediu toda a reforma que ocorreu na
política e na ciência nos anos seguintes.
Por
fim, vale destacar a trilha sonora da película composta com maestria
pelo genial Ennio Morricone que uniu a pegada western macarrônica
com o ponto fúnebre dos cantos celestiais. É assim que a verdade
continua sendo dita. Ora pro
nobis.
1Spoiler
é um palavra de origem inglesa que significa basicamente
“estraga-prazeres”, no que diz respeito à pessoa que revela
intencionalmente o final de uma história inédita. Em português
pode ser relacionada com o termo Espoliação ou com o verbo
Esbulhar, conforme o dicionário Uol Michaelis. Fonte:
http://www.tecmundo.com.br/youtube/2459-o-que-e-spoiler-.htm
e
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=esbulhar,
último acesso 25/05/2014.
* Texto apresentado na disciplina Oficina de Leitura e Produção de Texto Acadêmico, no 1° semestre, da turma de Filosofia 2014, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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