Imagine um ser humano qualquer. Agora, imagine esse ser humano como
uma pessoa que é apaixonada por vasos persas. Imagine que essa
pessoa faça qualquer coisa para obter um vaso desses. Imagine que
essa pessoa coloque até mesmo outro ser humano abaixo de um vaso
persa em nível de importância. Imagine que essa pessoa, por uma
vaso persa, chegue ao ponto de eliminar, ou seja matar, outro ser
humano.
De quem estamos falando? Quem veio à sua memória? Um ditador?
Agora, troque esse ser humano qualquer por um garoto da comunidade,
da periferia ou da favela, como preferir. Depois, troque o vaso persa
por um tênis Mizuno que custa quase 1 mil reais. Em seguida, troque
a necessidade de se obter um tênis Mizuno a qualquer custo por
diversas prestações mensais ou por um mero assassinato.
De quem estamos falando? O que está acontecendo?
Geneton Moraes Neto e Joel Silveira, no Rio de Janeiro (geneton.com.br)
Ontem, sai do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de
São Paulo, na rua Rego Freitas, palco histórico das lutas pela
liberdade de expressão neste país, e fui subindo a rua da
Consolação pensando nos parágrafos acima. Fui ao Sindicato
assistir à exibição do documentário “Garrafas ao Mar: A víbora
manda lembranças”, do jornalista Geneton Moraes Neto. O filme
simplesmente trata da carreira e dos últimos dias de um dos maiores
nomes do jornalismo, não só brasileiro, como mundial: Joel Silveira.
Éramos três ou quatro dezenas de gatos pingados no auditório
Vladimir Herzog. Mas Geneton, Audálio Dantas, Sérgio Gomes, e outros
importantes nomes das redações brasileiras, estavam presentes. “Há
espaço para o texto de Joel Silveira nos veículos atuais?”,
questionou Geneton. Não, não há, concluiu-se. Para quem tem o
coração de um verdadeiro jornalista, o documentário é
emocionante.
Confesso: não entendo. Por isso, rumino.
O ditador sanguinário e egoísta tem o direito de considerar que
vasos persas são mais importantes do que seres humanos? Tem. O
garoto da comunidade, da periferia, da favela, tem o direito de
considerar o tênis Mizuno de 1 mil reais mais importante do que um
ser humano? Tem. Mas o jornalista, o nobre repórter, nunca pode se
render e querer fazer parte da banda. Estou com Joel Silveira, talvez
enterrado, mas assistindo com todo orgulho a banda passar. Proseando com os Repórteres do Futuro, escrevendo
neste mísero blog, mas vendo a banda passar.
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