terça-feira, maio 28, 2013

Veneno nas veias

Imagine um ser humano qualquer. Agora, imagine esse ser humano como uma pessoa que é apaixonada por vasos persas. Imagine que essa pessoa faça qualquer coisa para obter um vaso desses. Imagine que essa pessoa coloque até mesmo outro ser humano abaixo de um vaso persa em nível de importância. Imagine que essa pessoa, por uma vaso persa, chegue ao ponto de eliminar, ou seja matar, outro ser humano.

De quem estamos falando? Quem veio à sua memória? Um ditador?

Agora, troque esse ser humano qualquer por um garoto da comunidade, da periferia ou da favela, como preferir. Depois, troque o vaso persa por um tênis Mizuno que custa quase 1 mil reais. Em seguida, troque a necessidade de se obter um tênis Mizuno a qualquer custo por diversas prestações mensais ou por um mero assassinato.

De quem estamos falando? O que está acontecendo?

Geneton Moraes Neto e Joel Silveira, no Rio de Janeiro (geneton.com.br)

Ontem, sai do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, na rua Rego Freitas, palco histórico das lutas pela liberdade de expressão neste país, e fui subindo a rua da Consolação pensando nos parágrafos acima. Fui ao Sindicato assistir à exibição do documentário “Garrafas ao Mar: A víbora manda lembranças”, do jornalista Geneton Moraes Neto. O filme simplesmente trata da carreira e dos últimos dias de um dos maiores nomes do jornalismo, não só brasileiro, como mundial: Joel Silveira.

Éramos três ou quatro dezenas de gatos pingados no auditório Vladimir Herzog. Mas Geneton, Audálio Dantas, Sérgio Gomes, e outros importantes nomes das redações brasileiras, estavam presentes. “Há espaço para o texto de Joel Silveira nos veículos atuais?”, questionou Geneton. Não, não há, concluiu-se. Para quem tem o coração de um verdadeiro jornalista, o documentário é emocionante.

Confesso: não entendo. Por isso, rumino.

O ditador sanguinário e egoísta tem o direito de considerar que vasos persas são mais importantes do que seres humanos? Tem. O garoto da comunidade, da periferia, da favela, tem o direito de considerar o tênis Mizuno de 1 mil reais mais importante do que um ser humano? Tem. Mas o jornalista, o nobre repórter, nunca pode se render e querer fazer parte da banda. Estou com Joel Silveira, talvez enterrado, mas assistindo com todo orgulho a banda passar. Proseando com os Repórteres do Futuro, escrevendo neste mísero blog, mas vendo a banda passar.

segunda-feira, maio 27, 2013

As epifanias de Chris Anderson

O empreendedor e especialista em tecnologia fala sobre drones, vigilância e o que está por vir

Autor: Benjamin Pauker

Chris Anderson durante palestra em San Diego, 
na Califórnia (James Duncan Davidson/Wikimedia)

Chris Anderson já foi chamado de diversas coisas: visionário, pioneiro da economia na internet e evangelizador do ideal Do it Yourself 2.0 (Faça você mesmo). Contudo, não seria imprudente compará-lo a um cata-vento: ou seja, ele não pode controlar as correntes de ar, mas certamente é o primeiro a indicar qual a direção do vento. Físico, com especialização em mecânica quântica, foi Anderson que trouxe as curiosidades científicas para dentro da revista Wired. Durante seus 12 anos como editor, a publicação fez ciência e tecnologia parecer algo legal para os leitores. Nesse período, escreveu a trilogia das grandes ideias do Vale do Silício, na Califórnia, apresentando teorias como a “Calda Longa”, ou a venda online de qualquer coisa, e o conceito de gratuidade como um bom negócio. Seu último manifesto é “Makers: The New Industrial Revolution”, algo como “Fabricantes: a Nova Revolução Industrial”, onde ele conta estar investindo o seu dinheiro na 3D Robotics, uma empresa faça-você-mesmo que fabrica drones e enxerga oportunidade em qualquer parte do mundo. Depois disso, Anderson deixou de ser cata-vento. Está buscando os céus.

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As novas tecnologias, da viagem espacial à internet, sempre começam com custos muito altos e nas mãos dos militares. Depois, com a expansão em escala, a Lei de Moore* funciona como num passe de mágica. É quando as novas tecnologias atingem o consumidor em geral e é nessa hora que palavras como “personalização” entram em cena. Nesse ponto, não há espaço para apostas. Com os drones, estamos exatamente nesse estágio. Nós estamos começando notar alguns efeitos tais como os que surgiram com o advento do computador pessoal e da internet. A minha esperança é que as pessoas algum dia esqueçam que os drones começaram como uma tecnologia militar.

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E se, a cada manhã, um drone pudesse decolar e fazer a pulverização da lavoura. Ali mesmo no café da manhã, você poderia ter um relatório diário, independente do tipo de plantação que você tenha: tomates, trigo, uvas, entre outras. É possível saber se há um surto de pragas, de fungos ou doenças. Esse tipo de informação é de grande valor para fazendeiros por que isso pode significar uma boa economia. Além de contribuir também para o meio ambiente porque os fazendeiros usarão menos produtos químicos e menos água. Não podemos nos esquecer que temos um grande problema com a indústria mundial do agronegócio que, de acordo com a minha epifania, poderia ser resolvido com câmeras no céu.

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Câmeras estão espalhadas por toda parte, em qualquer lugar da nossa vida. E, é claro, isso gera preocupação em relação à privacidade. No entanto, a nossa percepção no que diz respeito à privacidade que nós temos e aquela que nós imaginamos é bem diferente. Nos Estados Unidos, a regulamentação desse tema é baseada no que nós chamamos de “Expectativa Razoável de Privacidade”, e que abrange o nível distrital. Sendo assim, diferentes bairros têm diferentes expectativas razoáveis de privacidade e que podem mudar a qualquer momento. É aquela velha história: eu tenho uma expectativa, meus filhos outra.

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É difícil ignorar o fato de que estamos vivendo um período de exponencial inovação tecnológica. Os drones personalizados são basicamente os dividendos da paz contra a guerra dos smartphones, no que diz respeito aos componentes de um aparelho – sensores, GPS, câmera, processadores, wireless, memória, bateria – enfim, todas aquelas coisas que são produzidas numa escala incrível para atender os últimos lançamentos da Apple, Google, e outros, e que estão disponíveis por uma bagatela. Há 10 anos, eles eram inacessíveis. E, em sua maioria, foram tecnologias desenvolvidas para a indústria militar; hoje, você pode comprar qualquer um desses produtos nas lojas RadioShack. Nunca vi uma evolução tão rápida na tecnologia como a que acontece atualmente. Tudo isso, porque podemos levar um supercomputador no bolso.

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Atualmente, eu não cometo mais o erro de tentar prever o futuro, prefiro sugá-lo. Tenho uma queda por isso – e me perdoem pelo trocadilho semântico aqui –, por desabar com a famosa afirmação de William Gibson que diz “O futuro é agora, e é simplesmente desigual”. Para prever o futuro, você tem que manter seus olhos bem abertos nele.

* Em 1965, o co-fundador da Intel Gordon Moore previu que o número de transistores em um pedaço de silício iria dobrar a cada dois anos, criando a conhecida Lei de Moore (Fonte: HowStuffWorks)

segunda-feira, maio 13, 2013

A Opinião Obtusa


O portal UOL lançou a alguns dias uma enquete que pode até passar despercebida, pois está disponível no canto inferior direito da página, mas que não deixa de ser bastante elucidativa. “Você acha que se não fosse pela ditadura militar, o Brasil hoje seria um país comunista?”, questiona o portal que oferece três alternativas básicas como resposta: sim, não e não sei.

Fac-símile home UOL (13/5/2013)

O surgimento da enquete coincidiu com a polêmica em torno dos depoimentos do cantor Lobão e a, conseqüente, represália de artistas como o rapper Mano Brown e o escritor Marcelo Rubens Paiva. Lobão parece levantar a bandeira do que os especialistas chamam “nova direita”.

Curioso, porém, é o resultado da enquete do UOL. Até às 11h de hoje (13/5), foram computados 42.944 votos. Quase 63% deles direcionados à resposta “Sim, com certeza, a ditadura militar evitou que o comunismo fosse implantado pelos esquerdistas”; enquanto pouco mais de 31% optaram pelo “Não, a ditadura militar foi uma época cheia de torturas e crimes obscuros”. O restante, quase 6%, não tem opinião formada sobre o assunto.

Fac-símile da home UOL (13/5/2013)

Direita e esquerda foram dados como mortos no Brasil atual, após alianças inusitadas na seara política. No que diz respeito à opinião pública, a dicotomia chama a atenção e não pode ser desconsiderada. Ao que tudo indica vai direcionar em peso o discurso das próximas eleições. Os militares que o digam.